top of page

Mudando meu interior


A medida que vamos envelhecendo, amadurecendo e nos tornando menos arrogante, começamos a nos abrir para outras realidades, ou para o abstrato, eu quero dizer para manifestações que não costumávamos dar importância. Eu mesma, outrora tão cabeça-dura, fechada... Me percebo mais tolerante com o que não enxergo. Não mudei minha crença ou a maneira de pensar, mas já tenho um olhar diferente para certas coisas. Cada um se apega àquilo que possa ajudá-lo a melhorar como pessoa e a ter uma vida mais plena. Minha escada que antes era feita de ideias concretas, passou a ter também alguns degraus variáveis, irresolutos, oscilantes - não sei como descrever, tampouco as palavras me chegam sólidas, pois ainda estão em construção.

No momento, meu foco está na força da nossa vontade interior, no quanto a gente pode extrair efeitos visíveis daquilo que ainda é invisível. Pode até parecer um grande bobagem para alguns, mas só quem vive uma experiência dolorosa na alma consegue refletir sobre essa questão : acreditar na potência da própria vontade.

Condicionada pela religiosidade a sempre pensar na vontade do ser Superior Deus, passei a maior parte da minha vida sufocando minha própria vontade. Certo ? Errado? Não sei...

Mas, outro dia li, em uma postagem de uma amiga, no Facebook que me fez refletir sobre. Segue :


"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade".

Carlos Drummond de Andrade


Então percebi que até aqui, neste ponto da minha vida, eu vivi uma mentira. Sim, aquelas mentiras que todo mundo topou passar adiante como se fosse verdade. Aquelas que ouvimos de de nossos pais, eles de nossos avós, e que automaticamente passamos para nossos filhos, colaborando assim para o bom andamento do mundo, para uma sanidade comum. O amor, o sentimento mais nobre e vulcânico que há tornou-se a maior vitima desse consenso.

Mentiras consensuais: o amor não acaba, não se pode amar duas pessoas ao mesmo tempo, quem ama quer filhos, quem ama não sente desejo por outro, o amor de uma noite só não é amor, o amor requer vida partilhada, o amor entre pessoas do mesmo sexo é antinatural.

Tudo mentira. O amor, como todo sentimento, é livre. É arredio a frases feitas, debocha das regras que tentam lhe impor. Esta meia dúzia de coordenadas instituídas como verdade fazem com que muitas pessoas achem que estejam amando errando, quando estão simplesmente amando. Amando pessoas mais jovens, ou mais velhas ou do mesmo sexo ou amando pouco ou amando com exagero, amando um homem casado ou uma mulher bandida ou platonicamente, amando e ganhando, todos eles, a alcunha de insanos, como se pudéssemos controlar o sentimento. O amor é dono dele mesmo, somos apenas seu hospedeiro.

Há muitos outros consensos geradores de angustia: o mito da maternidade, a necessidade de um Deus, a juventude eterna. Sobem e descem de ônibus milhares de passageiros que parecem iguais entre sí, porém há entre eles o que não gostam de crianças, os que nunca rezaram, os que estão satisfeitos com suas rugas e gorduras, os que não gostam de festas e viagens, os que odeiam futebol, os que viverão até cem anos fumando, enfim, os desajustados de um mundo que só oferece um molde.

Verdades concordadas... Mas lá no fundo, algo que nos perturba, que nos convida para o exílio, que revela nossa porção despatriada. É a parte de nós que aceita a existência das mentiras consensuais, entende que é melhor viver de acordo com o estabelecido, mas que, o intimo, no seu interior, não consegue mais dizer amém.


L.É.T BAHIA

Comments


bottom of page